A descoberta da gravidez após o término do contrato de trabalho
- Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica
- 22 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Direitos poderão permanecer após término do contrato de trabalho
Em outubro de 2018, por 8 votos a 1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a estabilidade decorrente de gestação se dá a partir da confirmação da gravidez e não somente após a comunicação ao empregador, ou seja, mesmo tendo a gravidez sido descoberta após o término do contrato de trabalho. Trata-se de mais um passo no sentido de fortalecer os direitos trabalhistas das mulheres que trabalham.
A Constituição Federal estabeleceu as diretrizes da proteção especial destinada ao trabalho da empregada gestante e da empregada mãe, garantindo no Art. 7º, Inciso XVIII da Constituição Federal “licença à gestante sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.” . Desta forma, durante a licença-maternidade, a empregada tem direito a receber normalmente os salários, computando-se o afastamento como tempo efetivamente trabalhado, inclusive para efeito de férias e décimo terceiro salário.
Mereceu ainda disciplina constitucional a denominada estabilidade provisória da gestante (ou seja, a garantia de emprego da gestante). Assim, o Art. 10, inciso II, alínea “b” do ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS, concede a garantia de emprego desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto, ficando neste período vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
A Justiça do Trabalho reconhece à gestante despedida injustamente o direito aos salários de todo o período da gravidez, do salário-maternidade correspondente aos cento e vinte dias de afastamento legal bem como da estabilidade provisória, inibindo desta forma as frequentes dispensas de empregadas grávidas.
Em razão dessas medidas, verdadeiras conquistas da mulher trabalhadora, evidencia-se que a responsabilidade social começa a percorrer um caminho inevitável de valores, baseado na preocupação constante de nossos tribunais que ao aplicar a lei sempre atendem às necessidades reais e atuais. Assim, através de decisões caracterizadas pela sensibilidade dos magistrados, a Justiça do Trabalho promove a justiça social.
A evolução constante da proteção e amparo à maternidade atinge neste momento ponto marcante: decisão do Supremo Tribunal Federal garantiu os direitos da empregada gestante mesmo tendo a gravidez sido descoberta após o término do contrato de trabalho.
Referida decisão, interpretando a norma constitucional que concedeu estabilidade à empregada gestante, estendeu seu campo de aplicação, estando assim em perfeita consonância com a tendência de socialização do Direito posto que, e relembrando os ensinamentos do saudoso jurista Vicente Ráo, “as necessidades individuais não deixam de afetar o interesse social, quando suas soluções, coordenadas segundo um princípio ético, se integram no bem comum” ( “in” “O Direito e a Vida dos Direitos”, Vol. I, Tomo III, pág. 478 – Ed. Resenha Universitária, São Paulo, 1977).
O Art. 10, inciso II, alínea b do ADCT, ao estabelecer a estabilidade provisória da gestante, vedou a dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. A expressão confirmação da gravidez sustentou a decisão comentada, emprestando-lhe o sentido de afirmativa médica do estado gestacional da empregada, pelo que não se exigiu do empregador ciência prévia da situação da gravidez, ainda que extinto o contrato de trabalho. Por outras palavras, a gravidez deve ter ocorrência durante a vigência do contrato de trabalho, entretanto a sua confirmação atestada por médico, pode ocorrer em qualquer tempo (durante ou após a dispensa da empregada), não tendo importância o conhecimento do empregador.
O ministro Marco Aurélio, relator do caso, votou no sentido de que a gestante não teria direito à indenização, pois, “como o empregador não tinha a confirmação da gravidez, não ficou caracterizada a demissão imotivada que é vedada pela Constituição a mulheres grávidas”.
Contudo, no entendimento do ministro Alexandre de Moraes, seguido pelos demais ministros, a proteção constitucional à maternidade é mais importante do que o "requisito formal", salientando que “o prazo é da confirmação da gravidez e de até cinco meses após o parto, ou seja, um período em que se garante uma estabilidade econômica. Comprovadamente pela medicina, pela ciência são os meses mais importantes de proximidade da mãe com o filho”.
É preciso destacar que a decisão em apreço possui força obrigatória só e unicamente sobre o fato concreto a que o respectivo julgamento se referiu, ou seja, não terá aplicação automática em outros casos semelhantes Entretanto seu alcance e importância poderão revelar uma tendência: poderá a interpretação se generalizar e servir de parâmetro para futuros julgamentos.
Cristalizada a jurisprudência, isto é, novos e mais novos casos sendo julgados da mesma forma, irrelevante a comunicação da gestação: bastará tão somente a ocorrência do fato durante o desenrolar do contrato de trabalho. Sua confirmação poderá ocorrer durante ou ainda que extinto o contrato de trabalho. Extinto o contrato, a dispensa poderá ser declarada nula de pleno direito (ou seja, sem efeito), com a reintegração da empregada ao trabalho ou se não tanto possível, com a condenação ao recebimento da indenização equivalente (pagamento dos direitos). Pouco importará ainda estar o vínculo empregatício devidamente formalizado (com registro e anotação da Carteira de Trabalho) ou, se ao contrário, a empregada se encontrava trabalhando à margem da lei, informalmente, sem o competente registro e respectiva anotação na Carteira de Trabalho. Comprovado o vínculo, os direitos trabalhistas, como registro, férias, 13º salário, FGTS, aviso prévio etc., serão sempre reconhecidos.
A decisão comentada alcançará todas as trabalhadoras, inclusive a categoria das empregadas domésticas por força do estabelecido no Parágrafo único do Inciso XXXI do art. 7º da Constituição Federal que também a elas assegura a licença gestante, com a duração de cento e vinte dias, a manutenção do emprego e o pagamento dos salários respectivos.
Dra. Lucy Toledo das Dores Niess
Advogada Pós-graduada pela U.S.P., Auditora Fiscal do Trabalho em São Paulo aposentada e sócia do escritório Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica
コメント