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A prisão civil do devedor de alimentos

  • Foto do escritor: Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica
    Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica
  • 22 de jun. de 2020
  • 6 min de leitura

Na medida especial de execução prevista no art. 911, do Código de Processo Civil, o juiz manda citar o devedor de alimentos para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o efetuou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão civil. Sendo esta a consequência da sua omissão ou de ter repelidos seus argumentos, não precisará segurar o juízo para defender-se.


Pelo Código de Processo Civil, poderá ser decretada a prisão civil do devedor pelo prazo de um a três meses (art. 528, §3º). Porém, a Lei de Alimentos, diminui esse prazo para até sessenta dias (art. 19, caput).


Essa limitação temporal é compulsória, sob pena de assumir a medida a feição de castigo, de providência criminal, pois se o prazo houver decorrido sem que ela tenha produzido o efeito esperado, restará demonstrado que o fim para o qual foi instituída não será por essa forma alcançado.


Humberto Theodoro Júnior entende que o prazo de um a três meses, previsto no Código de Processo Civil, aplica-se somente para a execução da prestação de alimentos provisionais, e, o prazo de no máximo sessenta dias, previsto na Lei 5.478, de 25 de julho de 1.968, aplica-se no caso de alimentos definitivos. Discordamos, data venia, da posição do ilustre autor.


Embora a Lei de Alimentos, em seu art.19, não cuide de alimentos provisionais e disponha que o juiz poderá tomar todas as providências necessárias para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até sessenta dias, referindo-se à execução do julgado ou ao acordo de que trata nos artigos antecedentes, a discussão deve ser travada considerando-se o sistema vigente.


Assim, entendemos que a lei especial prevalece sobre a geral, ainda que o CPC seja posterior, uma vez que o Código de Processo civil é a Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015.

Ora, se a lei especial admite a prisão civil pelo não pagamento de alimentos definitivos, pelo prazo máximo de sessenta dias, com maior razão não se há de entender plausível o aprisionamento por prazo maior daquele a quem o Judiciário manda pagar alimentos preventivamente, com base em mera aparência de direito.


De outra banda, se em vigor se considerar os dispositivos do Código de Processo e da Lei n. 5.478, de 1.968, sobre a prisão civil, teríamos a seguinte situação: quem fosse condenado a pagar alimentos definitivos, em processo de conhecimento que tivesse seguido o procedimento ordinário, poderia ser obrigado a suportar um trimestre de privação de liberdade, enquanto que, aquele que fosse condenado a pagar alimentos na ação regida pela Lei n. 5.478, de 1.968, só poderia ser submetido à prisão civil por tempo não superior a sessenta dias, convivendo dois prazos máximos distintos para a prisão decretada tendo em vista exatamente a mesma conduta e com a mesma finalidade, o que seria inadmissível, notadamente ante o princípio da isonomia.


A interpretação sistemática unitária é imperativa, o que conduz à afirmativa de que também o lapso temporal mínimo, de um mês, que o juiz poderá estabelecer para a prisão enquanto perdurar o inadimplemento, é o mesmo para todas as hipóteses, não obstante a ele não faça alusão o art. 19 da Lei de Alimentos, mas apenas o Código de Processo Civil, aplicável supletivamente por força do art. 27 daquele diploma. Mas a prisão cessará tão logo pague o devedor o quanto lhe é cobrado.


O ex presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Secretário da Justiça de São Paulo e professor do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, entende admitir-se a utilização de habeas corpus se manifestamente ilegal ou abusiva a ordem de prisão. Este é, porém, de uso restrito, não se admitindo, normalmente a discussão sobre os motivos do inadimplemento do encargo alimentar. O agravo é adequado na espécie, pois permite a concessão de efeito suspensivo pelo relator.


Conquanto haja divergências, o Superior Tribunal de Justiça, a nosso ver acertadamente, pois seu posicionamento observa os estritos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição, admite a impetração de habeas corpus para corrigir o ato ilegal ou abusivo que impede a liberdade de locomoção de alguém, apontado como devedor de alimentos.


A característica dos alimentos é que o credor os necessita com urgência, para sua subsistência, e, se pôde demorar mais de três meses para pedir a tutela jurisdicional, não se reveste, o seu pedido, dessa natureza puramente alimentar, já que perde aquela característica, devendo, então, ser promovida a execução da sentença condenatória, por quantia certa contra devedor solvente, das parcelas com atraso superior a um trimestre, pois estas passam a ter caráter de ressarcimento de despesas já realizadas a esse título.


O referido art. 19 da Lei de Alimentos reza que o juiz poderá decretar a prisão civil do devedor; e, o § 3º do art. 528 do Código de Processo Civil dispõe que o juiz decretar-lhe-á a prisão, quando inadimplente. Porém, a doutrina vem entendendo que a prisão não deverá ser decretada ex officio pelo juiz, pois, segundo Amílcar de Castro “o credor estará em melhores condições que o juiz, para avaliar sua eficácia e oportunidade”, devendo, portanto, ser por ele requerida. Acreditamos, no entanto, que o juiz, presentes os pressupostos legais, determinará a prisão do executado, mesmo se não tiver sido especificamente requerida pelo credor. Podendo o exequente optar pela execução por quantia certa contra devedor solvente, se não a escolhe, preferindo que a execução se faça nos termos do art. 528 do Código de Processo Civil, a incidência deste dispositivo é plena: ou o executado prova que pagou, ou paga, ou justifica satisfatoriamente o não pagamento, sob pena de não o fazendo, o magistrado, sem outra alternativa, ordenar sua prisão civil. O enfoque a ser dado à questão não atine propriamente à adoção de medida de ofício, mas sim ao reconhecimento de que o requerimento de prisão está implícito na modalidade de execução da decisão ou do acordo.


Presenciamos, em estágio feito na Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, um caso em que o pai estava em atraso com relação à pensão do filho. A mãe, representando o filho, propôs a execução com fundamento no art. 528 do Código de Processo Civil (à época artigo 733 do antigo Código de Processo Civil), mas o devedor recusava-se a pagar os valores cobrados sem propor nenhum acordo. A mãe, por sua vez, não consentia a prisão do réu, de quem tinha medo, pois dele recebia ameaças. Passavam dificuldades mãe e filho, e o pai, que tinha condições de pagar as prestações, não mostrava interesse em fazê-lo. Na própria audiência, o juiz mandou prendê-lo.


Em hipóteses como esta, não há que se indagar sobre a opinião do credor, ou de quem o representa ou assiste. Deve-se realizar a justiça, atendendo-se ao disposto em lei. Se, dando-se oportunidade para que o devedor cumpra sua obrigação, tendo condições de pagá-la sem o desfalque de seu sustento, pensamos que, se não o faz, a solução adequada vem a ser a prisão civil do indivíduo, porque a providência está ínsita no meio de execução promovida. Repita-se: citado o devedor para pagar, se não o fizer nem justificar a impossibilidade de o fazer, em três dias, diz o § 3º do art. 528, do estatuto processual, peremptoriamente, “o juiz decretar-lhe-á a prisão”; o juiz, na execução, poderá tomar todas as providências necessárias para o cumprimento do julgado ou do acordo, “inclusive a decretação de prisão do devedor”, preceitua o art. 19 da Lei n. 5.478, de 1.968.


Mesmo que assim não fosse, não se encontraria na lei proibição de decretação de prisão civil sem requerimento específico da parte, ou do Ministério Público, e sendo o direito à vida indisponível e irrenunciáveis os alimentos (embora pudessem ter deixado de ser exercidos) teria outorgado o legislador ao Judiciário o poder/dever de garanti-lo, dentro do seu prudente arbítrio (frente às justificativas do devedor), inclusive à custa dessa medida extrema, prevista no texto constitucional. O devedor de alimentos é passível de prisão civil toda vez em que se tornar inadimplente, não se constatando, é óbvio, a sua incapacidade para saldar a dívida alimentícia a seu cargo.


Pode o credor, mostrando-se ineficaz a prisão, converter a execução fundada no art. 528 em execução por quantia certa.


Dra. Andréa Patrícia Toledo Távora Niess

Advogada, Mestre e Doutora pela PUC/SP e sócia do escritório Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica


Dr. Pedro Henrique Távora Niess

Advogado Pós Graduado pela UPS, Subprocurador-Geral da República aposentado e sócio do escritório Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica

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